Na igreja evangélica
brasileira, não raras vezes as músicas estão no centro das atenções, seja em
razão da popularidade de algumas boas (incomum), seja pela popularidade
de canções ruins (comum). Fato é, que a arte exerce influência, movimenta o
mercado, propaga teologias, enriquece alguns e deturpa o coração de muitos
que, ao serem "honrados”, esquecem quem são.
Pois bem, uma canção
muito tocada no momento tem por título “Ninguém Explica Deus”, do grupo “Preto
no Branco”. Já ouvi algumas vezes, mais precisamente o clipe gravado e
disponível no you tube.
Recentemente, li uma
análise sobre a canção, uma crítica disponibilizada no blog “Portal Missões& Teologia”. Na postagem, dentre outros pontos o autor critica o fato de a
canção enfatizar que “ninguém explica Deus”. Abaixo, reproduzo um trecho da
postagem:
Embora o conhecimento não seja exaustivo, no entanto, há um
abrangente conteúdo revelado que nos diz quem é o Deus triúno, criador dos céus
e da terra. Quem sustenta que ninguém explica Deus são os deístas, que
acreditam que o Divino se ausentou após criar o cosmos. O teísmo, onde se
encontra o cristianismo, é proposicional, por isso há um conteúdo comunicável e
explicável. A afirmação de não se poder explicar Deus, indiretamente nega o
principio da imanência e da revelação especial. Ela está mais para fideísmo do
que para a fé cristã ortodoxa.Fideísmo é crer dando um “salto no escuro”. Mas
Deus trouxe luz acerca de si mesmo através da Escritura. É preciso ter cuidado
com determinadas afirmações.
O próprio autor do texto aceita a ideia de que não é possível
explicar Deus exaustivamente, mas que “há
um abrangente conteúdo revelado que nos diz quem é o Deus triúno, criador dos
céus e da terra”. Mais. “Quem
sustenta que ninguém explica Deus são os deístas...”. Ao mesmo tempo que o
autor assevera que Deus pode ser conhecido (explicado, não exaustivamente), afirma que negar
poder explicá-lo é ser deísta. Há aí, penso eu, contradição na exposição, e
aproveitando-me da questão, não para defender a música ou seu(s) autor(es),
acho ser útil refletir (introdutoriamente, muito introdutoriamente) sobre a
possibilidade ou não de explicar o Incognoscível.
Os
teólogos no estudo da Teologia costumam classificar Deus como ser cujos
atributos são naturais (incomunicáveis) e morais (comunicáveis). Nem sempre
tais classificações encontram consenso, haja vista a teologia ser produzia por
homens, e estes, limitados, movidos por motivos às vezes desconhecidos etc., divergem
em seu pensamento. No entanto, para o fim aqui proposto, tomo uma classificação do teólogo Russel E. Joyner, o qual ao listar os atributos Naturais de Deus,
após pontuar, em primeiro lugar, que Deus é Espírito, afirma que o Eterno é “cognoscível”.
Antes porém, conforme
Aurélio,
o significado do termo cognoscível é “que
se pode conhecer”, por outro lado o antônimo, incognoscíel é “que não se pode conhecer”.
Segundo Joyner, ao tratar do tema esclarece que:
Deus jamais foi visto
(Jo 1.18). O Deus onipotente não pode ser plenamente compreendido pelo ser
humano (Jó 11.7), mas se reveleou em diferentes ocasiões e de várias maneiras.
Isto indica que é da sua vontade que o conheçamos e tenhamos um correto relacionamento
consigo (Jo 1.18; 5.20; 17.3; At 14.17; Rm 1.18-20). Isso não significa,
porém, que podemos compreender completa e exaustivamente a totalidade do
caráter e da natureza de Deus (Rm 1.18-20; 2.14,15). Assim, da mesma forma
que Ele se revela, também se oculta: "‘Verdadeiramente, tu és o Deus que te
ocultas, o Deus de Israel, o Salvador" (Is 45.15). (grifei)
O autor
defende que Deus é compreendido na medida que Ele mesmo permite que o homem o
conheça: “Se temos algum conhecimento de Deus é porque ele optou por se nos
revelar”.
Assim, embora possa ser conhecido, isso é possível apenas parcialmente, na
medida em que Ele quer.
Outro
pentecostal, Eurico Bergstén , ao tratar dos atributos de Deus pontua que o
Eterno é:
Incomensurável
Inconmensurabilidade é o infinito quando aplicado ao espaço.
Assim como é impossível imaginar a forma de Deus, também é impossível medir,
pesar ou fazer algum cálculo a respeito de Deus. Não existem números ou
expressões que possam nos fazer compreender Deus (sl 71.15; 40.5 e 139.6,
17, 18). Medida nenhuma pode dar uma ideia da sua grandeza (Jó 11.9; 1 Rs
8.27). Nenhum cálculo de peso pode fazer-nos compreender o seu “peso de glória”
(2 Co 4.17). (grifei)
Bergstén
não nega a possibilidade de conhecermos algo sobre Deus, mas que é impossível
medi-Lo, compreendê-Lo plenamente dentro dos padrões humanos. Nesse sentido,
considerando a grande e grave lesão causado à humanidade em decorrência da
Queda, é fácil concluir que o homem não pode compreender a Deus plenamente,
diria ainda, facilmente, que conhece apenas parte. Dois bons exemplos, são afirmações
contidas no livro de Jó: Para Eliú, “Eis
que Deus é grande, e não o podemos compreender; o número dos seus anos não se
pode calcular” (Jó 36.26). Já o patriarca, falando sobre o Todo-poderoso
diz: “Eis que isto são apenas as orlas
dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu
poder, quem o entenderá?” (Jó 26.13,14).
Seria muito
útil uma leitura da obra “A História das Doutrinas Cristãs”, de Louis Berkhof.
Nela, o leitor verá que muito do cremos hoje e defendemos como verdades
incontestáveis já foi crido diferente e objeto de muita contradição e debate,
pois grande parte das doutrinas essenciais da fé cristã foram moldadas nos
primeiros séculos, de forma que parte do que cremos hoje cremos por ter sido
fixado anteriormente, não por termos chegado a conclusões sozinhos, a partir de
reflexão própria. A teologia nos deu, pronto muito do que às vezes “compreendemos”
ao ler o Texto Sagrado. Berkhof esclarece, por exemplo, as controvérsias
iniciais acerca da Doutrina da Trindade (pp. 77/83) e de Cristo (pp. 93/111), de como duros embates fixaram muito do que aceitamos hoje. A
teologia cristã não foi dada como está (nem mesmo há consenso hoje sobre vários
pontos), mas através dos séculos vêm sendo alterada, com pontos bem fixados é
verdade, mas que outrora foram objeto de disputas por séculos.
Uma
breve citação sobre o saber teológico é necessária. Para César Moisés Carvalho,
tratando acerca da “Educação Cristã como Labor Teológico”:
Sem reconhece que ela [teologia] é um discurso humano – e,
por isso mesmo, falível! – acerca de Deus e não Ele em si mesmo, sistemas
teológicos relutam em exercer autocrítica e confundem sua confissão com própria Escritura. Por isso, apesar dessa opinião clássica de Bottigheimer, o teológo
Antônio Carlos de melo Magalhães, afirma que a “teologia não é ciência, muito
menos ciência da fé, ela é, tão somente, discurso, fala, narrativa,
sistematização de práticas, crenças, desejos, aspirações, perspectivas, textos”.
Isso significa dizer que, em “seu âmbito estão as experiências e as formas como
as comunidades humanas tentaram, ao construir significados e sentidos para o
mundo, criar instituições, estabelecer regras e estruturas de funcionamento e
crença”. É por isso que, para karl Barth, a “teologia é obra humana, ela não é
a obra divina”. E mais, “Ela é serviço prestado à palavra, ela não é a própria
Palavra de Deus”.
A
teologia é necessária, é inevitável, mas deve haver cuidado ao status que lhe conferimos e apreciar o
que ouvimos, lemos e entendemos teologicamente.
Voltando
à questão inicial, afirmar que Deus é “explicável” é verdade desde que seja
ressaltado que o que podemos conhecer dele é apenas em parte. Por outro lado,
dizer que “ninguém explica Deus” também é verdadeiro, desde que tal afirmação seja aclarada no sentido que se diz que o que não se pode conhecer é o todo, em sua total abrangência, pois impossível
explicá-lo tal qual Ele é não somos capazes, nossas limitações não comportam,
nem mesmo Ele desejou dar-se a conhecer como é.
Basta-nos saber que podemos
conhecer o necessário dele em Cristo. Conheçamos Cristo e o que se pode
compreender, gradualmente, à medida de nossa limitação!