quinta-feira, 14 de julho de 2016

NINGUÉM EXPLICA DEUS, O INCOGNOSCÍVEL.



Na igreja evangélica brasileira, não raras vezes as músicas estão no centro das atenções, seja em razão da popularidade de algumas boas (incomum), seja pela popularidade de canções ruins (comum). Fato é, que a arte exerce influência, movimenta o mercado, propaga teologias, enriquece alguns e deturpa o coração de muitos que, ao serem "honrados”, esquecem quem são.

Pois bem, uma canção muito tocada no momento tem por título “Ninguém Explica Deus”, do grupo “Preto no Branco”. Já ouvi algumas vezes, mais precisamente o clipe gravado e disponível no you tube.

Recentemente, li uma análise sobre a canção, uma crítica disponibilizada no blog “Portal Missões& Teologia”. Na postagem, dentre outros pontos o autor critica o fato de a canção enfatizar que “ninguém explica Deus”. Abaixo, reproduzo um trecho da postagem:

Embora o conhecimento não seja exaustivo, no entanto, há um abrangente conteúdo revelado que nos diz quem é o Deus triúno, criador dos céus e da terra. Quem sustenta que ninguém explica Deus são os deístas, que acreditam que o Divino se ausentou após criar o cosmos. O teísmo, onde se encontra o cristianismo, é proposicional, por isso há um conteúdo comunicável e explicável. A afirmação de não se poder explicar Deus, indiretamente nega o principio da imanência e da revelação especial. Ela está mais para fideísmo do que para a fé cristã ortodoxa.Fideísmo é crer dando um “salto no escuro”. Mas Deus trouxe luz acerca de si mesmo através da Escritura. É preciso ter cuidado com determinadas afirmações.

O próprio autor do texto aceita a ideia de que não é possível explicar Deus exaustivamente, mas que “há um abrangente conteúdo revelado que nos diz quem é o Deus triúno, criador dos céus e da terra”. Mais. “Quem sustenta que ninguém explica Deus são os deístas...”. Ao mesmo tempo que o autor assevera que Deus pode ser conhecido (explicado, não exaustivamente), afirma que negar poder explicá-lo é ser deísta. Há aí, penso eu, contradição na exposição, e aproveitando-me da questão, não para defender a música ou seu(s) autor(es), acho ser útil refletir (introdutoriamente, muito introdutoriamente) sobre a possibilidade ou não de explicar o Incognoscível.

Os teólogos no estudo da Teologia costumam classificar Deus como ser cujos atributos são naturais (incomunicáveis) e morais (comunicáveis). Nem sempre tais classificações encontram consenso, haja vista a teologia ser produzia por homens, e estes, limitados, movidos por motivos às vezes desconhecidos etc., divergem em seu pensamento. No entanto, para o fim aqui proposto, tomo uma classificação  do teólogo Russel E. Joyner, o qual ao listar os atributos Naturais de Deus, após pontuar, em primeiro lugar, que Deus é Espírito, afirma que o Eterno é “cognoscível”.

Antes porém, conforme Aurélio[1], o significado do termo cognoscível é “que se pode conhecer”, por outro lado o antônimo, incognoscíel é “que não se pode conhecer”[2]. Segundo Joyner, ao tratar do tema esclarece que:

 Deus jamais foi visto (Jo 1.18). O Deus onipotente não pode ser plenamente compreendido pelo ser humano (Jó 11.7), mas se reveleou em diferentes ocasiões e de várias maneiras. Isto indica que é da sua vontade que o conheçamos e tenhamos um correto relacionamento consigo (Jo 1.18; 5.20; 17.3; At 14.17; Rm 1.18-20). Isso não significa, porém, que podemos compreender completa e exaustivamente a totalidade do caráter e da natureza de Deus (Rm 1.18-20; 2.14,15). Assim, da mesma forma que Ele se revela, também se oculta: "‘Verdadeiramente, tu és o Deus que te ocultas, o Deus de Israel, o Salvador" (Is 45.15).[3] (grifei)

O autor defende que Deus é compreendido na medida que Ele mesmo permite que o homem o conheça: “Se temos algum conhecimento de Deus é porque ele optou por se nos revelar”.[4] Assim, embora possa ser conhecido, isso é possível apenas parcialmente, na medida em que Ele quer.

Outro pentecostal, Eurico Bergstén [5], ao tratar dos atributos de Deus pontua que o Eterno é:
Incomensurável
Inconmensurabilidade é o infinito quando aplicado ao espaço. Assim como é impossível imaginar a forma de Deus, também é impossível medir, pesar ou fazer algum cálculo a respeito de Deus. Não existem números ou expressões que possam nos fazer compreender Deus (sl 71.15; 40.5 e 139.6, 17, 18). Medida nenhuma pode dar uma ideia da sua grandeza (Jó 11.9; 1 Rs 8.27). Nenhum cálculo de peso pode fazer-nos compreender o seu “peso de glória” (2 Co 4.17). (grifei)

Bergstén não nega a possibilidade de conhecermos algo sobre Deus, mas que é impossível medi-Lo, compreendê-Lo plenamente dentro dos padrões humanos. Nesse sentido, considerando a grande e grave lesão causado à humanidade em decorrência da Queda, é fácil concluir que o homem não pode compreender a Deus plenamente, diria ainda, facilmente, que conhece apenas parte. Dois bons exemplos, são afirmações contidas no livro de Jó: Para Eliú, “Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender; o número dos seus anos não se pode calcular” (Jó 36.26). Já o patriarca, falando sobre o Todo-poderoso diz: “Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá?” (Jó 26.13,14).

Seria muito útil uma leitura da obra “A História das Doutrinas Cristãs”, de Louis Berkhof. Nela, o leitor verá que muito do cremos hoje e defendemos como verdades incontestáveis já foi crido diferente e objeto de muita contradição e debate, pois grande parte das doutrinas essenciais da fé cristã foram moldadas nos primeiros séculos, de forma que parte do que cremos hoje cremos por ter sido fixado anteriormente, não por termos chegado a conclusões sozinhos, a partir de reflexão própria. A teologia nos deu, pronto muito do que às vezes “compreendemos” ao ler o Texto Sagrado. Berkhof esclarece, por exemplo, as controvérsias iniciais acerca da Doutrina da Trindade (pp. 77/83) e de Cristo (pp. 93/111), de como duros embates fixaram muito do que aceitamos hoje. A teologia cristã não foi dada como está (nem mesmo há consenso hoje sobre vários pontos), mas através dos séculos vêm sendo alterada, com pontos bem fixados é verdade, mas que outrora foram objeto de disputas por séculos.

Uma breve citação sobre o saber teológico é necessária. Para César Moisés Carvalho[6], tratando acerca da “Educação Cristã como Labor Teológico”:

Sem reconhece que ela [teologia] é um discurso humano – e, por isso mesmo, falível! – acerca de Deus e não Ele em si mesmo, sistemas teológicos relutam em exercer autocrítica e confundem sua confissão com própria Escritura. Por isso, apesar dessa opinião clássica de Bottigheimer, o teológo Antônio Carlos de melo Magalhães, afirma que a “teologia não é ciência, muito menos ciência da fé, ela é, tão somente, discurso, fala, narrativa, sistematização de práticas, crenças, desejos, aspirações, perspectivas, textos”. Isso significa dizer que, em “seu âmbito estão as experiências e as formas como as comunidades humanas tentaram, ao construir significados e sentidos para o mundo, criar instituições, estabelecer regras e estruturas de funcionamento e crença”. É por isso que, para karl Barth, a “teologia é obra humana, ela não é a obra divina”. E mais, “Ela é serviço prestado à palavra, ela não é a própria Palavra de Deus”.

A teologia é necessária, é inevitável, mas deve haver cuidado ao status que lhe conferimos e apreciar o que ouvimos, lemos e entendemos teologicamente.

Voltando à questão inicial, afirmar que Deus é “explicável” é verdade desde que seja ressaltado que o que podemos conhecer dele é apenas em parte. Por outro lado, dizer que “ninguém explica Deus” também é verdadeiro, desde que tal afirmação seja aclarada no sentido que se diz que o que não se pode conhecer é o todo, em sua total abrangência, pois impossível explicá-lo tal qual Ele é não somos capazes, nossas limitações não comportam, nem mesmo Ele desejou dar-se a conhecer como é. 

Basta-nos saber que podemos conhecer o necessário dele em Cristo. Conheçamos Cristo e o que se pode compreender, gradualmente, à medida de nossa limitação!

Post Scriptum: certo é que não há nada aqui em desfavor do blog citado, aliás, a música está causando discussões por todo lado. Mas, fica aqui a reflexão estrita ao que foi abordado sobre a possibilidade ou não de conhecer a Deus.


[1]FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba: Positivo, 2006.  p. 243.
[2]  - ibid, p. 470.
[3]  - JOYNER, Russell E.Joyner. O Deus Único e Verdadeiro, In, HORTON, Stanley
(Ed.). Teologia Sistemática, Uma Perspetiva Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p.129.
[4]  - ibid, p. 130.
[5] - BERGSTÉN, Eurico. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2015, pp.26,27.
[6] - CARVALHO, César Moisés. Uma Pedagogia para a Educação Cristã. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2015, pp. 284/285

4 comentários:

  1. Como o finito pode abarcar o infinito? Essa explicação de Eurico Bergstén fala tudo. Deus na sua total sabedoria se deu a conhecer somente o que de fato nos cabia saber. Quem tem interesse de saber mais do que o necessário e especular de mais, deveria entender que nós na posição de servos, não precisamos entender tudo sobre Deus, Mas confiar nas diretrizes.

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  2. Plenitude..., ou melhor, o "pleroma". Penso ser esta a palavra chave desta questão! Especular ou buscar entendimento profundo em questões desnecessárias é, sem dúvida, a base de uma ignorância sem medida ou o alimento ideal para a vaidade do pseudo-sábio, que adora ser espetacular. Todavia, como julgar acerca daquilo que é necessário ou não? O Espírito de Deus certamente conduzirá todo àquele que desejar a verdadeira sabedoria!( Pv2:6). A teologia é uma poderosa ferramenta para o entendimento humano das coisas divinas, entendo o ponto de vista do Pr. César Moises, e embora desconheça a obra de onde fora extraído o pequeno texto supra, o qual revela uma dura crítica (de karl Barth) que reduz significativamente o relevante valor da teologia, continuo a pensar que a verdadeira teologia tem importante papel na busca pela sabedoria tão exortada pelo Rei Salomão no livro de Provérbios.
    Explicar Deus!? Incognoscível!? Traçar um perfil ou estabelecer qualquer pensamento acerca do homem criado por Ele, que remetesse a uma totalidade do seu ser já é uma árdua tarefa e, creio eu, consequente impossível. O que dirá realizar tal tarefa quando o alvo agora é o Criador de tudo, Deus!? É melhor levar em consideração a sua última frase: “Basta-nos saber que podemos conhecer o necessário dele em Cristo. Conheçamos Cristo e o que se pode compreender, gradualmente, à medida de nossa limitação!”
    Por fim, quanto a explicar Deus, penso que sempre devemos ter em mente o que é sugerido no livro de Provérbios, no Salmo 01 ou pelo apostolo Paulo que diz: “Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade; Colossenses 2:8,9”
    “Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. (...) Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. 1 Coríntios 13:9-12”
    P.S.: O cometário bíblico CHAMPLIN faz comentários interessantes de ICo13, a respeito de finito, infinito, pleroma e plenitude.

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  3. Prezado irmão Gylyandro, a Paz do Senhor.

    Quanto tempo...Excelente contribuição. Como sempre, muito criterioso nas palavras.

    Grande Abraço.

    João Paulo

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  4. CRIST0 DISSE QUEM VE A MIM VE PAI, ESCREVER UMA LETRA QUE VC NAO CITA O UNICO FILHO DE DEUS, PARA MIM É UMA HERESIA

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